sexta-feira, abril 19, 2024

O Prazer primitivo nas receitas com carne crua por Marcelo Eletrizzante

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Imersa no mundo que festeja a sofisticação e a busca pela fruição dos maiores prazeres, a gastronomia ancora-se na cozinha, seja como templo de uma Cultura seja como âmbito de preparo de alimentos, cozidos, assados, fritos, curtidos, fermentados ou crus, de infinitas maneiras ao talento do artificie que opera no templo. A ganância pela superação de limites leva designers, arquitetos, decoradores, formadores de opinião, jornalistas, curiosos, artistas, cozinheiros, apreciadores, glutões, técnicos, grandes chefs, a se debruçar sobre plantas, projetos, desenhos, sketches, croquis, ansiando pôr num pedaço de papel ou no HD de um computador, a cozinha ideal, recinto valioso que para uns, coração da casa para outros ou mera oficina. A indústria do consumo rebuscou as quinas e arestas desse templo. Antes, essa Cultura era restrita à realeza. Com o tempo ampliou fronteiras, disseminou-se a todas as classes, de um modo ou outro, ainda que apenas em parte. Essa Cultura navega por outras dimensões, quando se enamora por outras artes, com a música, por exemplo. Em dados momento, houve quem a associasse a uma parcela do mundo heavy metal.

Assim, equipamentos, ferramentas, instrumentos, utensílios e mesmo inutilidades, da cozinha foram interpretados, forjados e usados como se necessários ao heavy metal. Sim. Barulho, intensidade, fogo, ritmo frenético, energia, facas, cutelos, martelos, maçaricos, tudo em prol do preparo de alimentos vários e variados.

Houve marca reconhecida que lançou linha de utensílios nessa linha. Variações desde o recinto até a Cultura e estilos que envolve, empenham-se visceralmente a cada dia em busca do Graal da excelência e perfeição. A ferro e fogo. No entanto, bravamente como se fora um derradeiro bastião de um modo de ser, viver e comer, a carne crua como prato principal resiste e se mantém ícone sagrado, apartado do fogo, ainda que rebelde, negando-se a entregar-se às chamas. Seja como for, não houvesse indústria do consumo e tivéssemos sido domados pelo despojamento total, seriamos monges talvez. Nessa linha, para preparar a carne crua, parcos petrechos e temperos bastam para deixá-la no ponto de devora.

Na essência, a carne resiste até se entregar aos dentes ávidos, para então ser degustada a deleite acalentado por memórias e instintos enraizados em DNA. O mundo contemporâneo da gastronomia oscila entre o flerte com a sofisticação ora com o desprendimento. Nesse embate, entre a coisa feita “a machado” ou com esmero, técnica e arte de chefs estrelados, não há vencedor; há preferências, inclinações, gostos, desejos. Ainda que haja os mais radicais, a maioria das pessoas interessadas é aberta a descobrir e a explorar novidades.

Pense agora num steak tartare ou em um kibe cru muito bem feito, no elegante sashimi, naquele carpaccio clássico inesquecível, ou numa grossa bisteca Fiorentina apenas selada na chapa ou na churrasqueira em chamas, com o interior vermelho, úmido, suculento, derramando gostosura.

É verdade que o calor transforma o sabor. Isso pode ser suficiente para fraudar o caráter do cru, diria um intransigente. Mas, deve permitir o enquadramento dessa carne na galeria das cruas. Basta. Os mundo das comidas cruas abriga, sem dúvida, saladas, frutas e muito mais, por supuesto. No entanto, falamos de carnes. É sabido que um fígado cru abarca nutrientes valiosíssimos, podendo figurar entre os alimentos mais ricos. Não é sem razão que os esquimós à custa de fígado de foca, dizem, se mantinham muito bem nutridos, apesar de não disporem de frutas frescas para comer.

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Fígado cru é para poucos, mas, bem mal passado, acebolado ou não, com jiló ou sem, no café da manhã do Mercadão em BH, é espetacular.

Os libaneses, quando do abate de carneiros, costumavam devorar nacos de fígado fresco. Nada mais saudável, ainda que traga arrepios para algumas pessoas. Mesmo para quem aprecie um forte cozido de mocotó ou uma buchada. Todavia, isso é assunto que merece conversa em separado num outro momento. Curiosos os caminhos seguidos. Saladas quentes e carnes cruas. Mágico contraste esse, quando bem lapidado. Mas, a pedida do dia é a carne crua.

A graça reside em conhecer, senão dominar, o jeito de fazer as coisas, com muitos recursos ou com poucos e criar emoção de nível parelho. Falamos de carne e logo a boca saliva, o agradável sabor vem e invade a alma de desejo. Por aqui, e mais pra bandas do Paraná, a tal Carne de Onça é piéce de résistence. Não pode ser esquecida. Carne crua moída ou picada, temperada e servida na cor vermelha viva, deliciosa. Se você não conhece, tem de experimentar pra ontem. Mesclada com cebola picada, mostarda, ervas, pimenta, limão ou vinagre, páprica, talvez até gema de ovo cru, essa coisa mágica encanta e nos remete às nossas origens. Esse delícia é irmã do steak tartare, que os franceses fazem acompanhar de batatas fritas. Feita com ingrediente caros e exclusivos ou feita com mais simplicidades a deliciosa iguaria desce goela abaixo com elegância. Servido no prato com gema crua de ovo em cima, que lhe traz untuosidade mágica, merece ser provada.

Ou sobre fatia de pão, em forma de canapés, com cebola picadinha em cima, salsinha, alcaparras, raspas de casca de limão siciliano, molho inglês ou limão pra deixar a mistura mais ácida, a serem mastigados e deglutidos um após o outro, entremeados por goles de bebida boa. Cerveja gelada seguindo atrás, inundando a garganta. Vinho, refrigerante, suco ou mesmo cachaça qualquer nota, sem marca. Apesar de ficar distante do fogo, a tribo festeja e compartilha a emoção de empanturrar-se dessa delícia. Da Carne de Onça, ao kibe cru, passando pelo sushi, sashimi, tartare, carpaccio e outras apresentações, um naco é suficiente para puxar um sorriso dos mais sisudos. Essa alegria, pode dispensar um garboso sushiman, de bandana invocada, nissei, sansei ou num sei.  Pode ser feita na beira do rio, na praia, mesmo num barco. Basta um splash de shoyo, mas se tiver raiz forte e fatia magra de gengibre curtido melhor fica.

Em paralelo surge o carpaccio da Itália, o clássico feito com lâminas de carne bovina, condimentados e outros ingredientes como o limão siciliano, o azeite, alcaparras, mostarda Dijon talvez, lascas de queijo parmesão, folhas novas de rúcula e de salsinha. Impagável. Mesmo um rosbife de patinho super mal passado, engana bem. Essa mescla de ingredientes e condimentos deixam o carpaccio maravilhoso, ou até mesmo coberto com flores vivas de Ipê amarelo, como agora você sabe e conhece.

Arrisque, não tema e bom apetite. Beijo nas crianças e abraço nos cachorros, ou vice-versa.

*Marcelo Eletrizzante é um apreciador de comida boa. Visite e conheça mais sobre o seu canal Eletrizzantetv no Youtube e no Instagram 

Fonte: Revista A Mais Influente – Coluna de Gastronomia de Marcelo Eletrizzante

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